Excesso de burocracia e cortes no orçamento dificultam acesso da agricultura familiar a políticas públicas de comercialização
Apesar de representar 85% dos estabelecimentos agropecuários e absorver cerca de 70 % do pessoal ocupado no Maranhão, a agricultura familiar enfrenta dificuldades para acesso aos mercados e aos programas de políticas públicas de comercialização. O excesso de burocracia e os cortes nos orçamentos dos programas institucionais desde 2013 e intensificadas pelo atual governo, estão entre os principais entraves.
“Isso traz a necessidades de buscarmos estratégias conjuntas para sua superação estes desafios. No Maranhão, isso se faz urgente”, observou a pesquisadora Aline Nascimento, doutoranda em agriculturas familiares e desenvolvimento sustentável da Universidade Federal do Pará (UFPA) e responsável pelo Relatório “Agricultura e Mercado: desafios dos agricultores e agricultoras e quebradeiras de coco babaçu maranhenses no acesso as políticas públicas”. O documento foi apresentado pela Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) durante evento online realizado ontem (13/09). A apresentação do relatório contou com a participação de pesquisadores, representantes de organizações sociais, agricultores e agricultoras familiares e agroextrativistas do Maranhão. Na abertura, o canto da quebradeira de coco babaçu, Maria Antônia, do Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (Miqcb), ecoou ressaltando a importância da mulher nas lutas do campo.O estudo foi realizado em mais de 31 municípios da área de abrangência das organizações Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa), da Associação Agroecológica Tijupá, da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema) e da Cooperativa Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (Cimqcb/Miqcb) e traçou um panorama dos programas PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e da PGPM-Bio (Política de Garantia de Preços Mínimos para os produtos da Sociobiodiversidade).
De acordo com dados da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), citados no relatório, em 2018, os recursos para o PAA e PNAE caíram de R$ 500 milhões para R$ 54,6 milhões – corte de quase 90%. O número de pessoas atendidas pelos programas reduziu de 91,7 mil para 41,3 mil – diminuição de 55%. Em 2020, dos R$ 186 milhões destinados ao PAA, R$ 66 milhões foram contingenciados pelo Ministério da Economia.
O coordenador técnico da Acesa e da Executiva da Rama, Didi Alves explicou que o objetivo do estudo foi levantar os principais entraves dos programas e identificar ações para enfrentamento do problema. “Com estas informações, a Rama espera que as organizações ligadas à agricultura familiar tenham elementos para mitigar conflitos e enfrentar desafios”, afirmou.
O professor Roberto Porro, Pesquisador da Embrapa e docente do PPGAA-UFPA, destacou em sua explanação que a PGPMbio tem sido um ponto fora da curva no cenário atual. “Há uma maior efetividade na utilização do orçamento, mas graças às organizações que tem ajudado os camponeses e camponesas a lidarem com os mecanismos”, observou. O pesquisador ressaltou a necessidade de aprofundamento do debate, não só das políticas públicas, como também da busca de alternativas de mercado com ênfase na questão ambiental e ecológica.
Ao falar da importância do PNAE, o coordenador do Programa de Economia Solidária da Associação Agroecológica Tijupá, Carlos Pereira, enfatizou as tentativas de desregulamentação que o programa sofre no momento no âmbito do legislativo e governo federal por pressão de grandes produtores. A legislação garante que pelo menos 30% do valor repassado pelo governo federal a estados e municípios seja utilizado para a compra de alimentos diretamente da agricultura familiar, priorizando assentados da reforma agrária, comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas, um percentual que não vem sendo cumprido em muitos municípios maranhenses.
“Quando a prefeitura estabelece uma margem para a aquisição da produção da agricultura familiar, ela dinamiza a economia do município e incentiva a geração de renda. Mas, os prefeitos não têm esta visão. Prova é que as secretarias municipais de agricultura são as menos estruturadas”, observou Carlos Pereira, destacando ser o PNAE ferramenta importante para a renda da agricultura familiar, além do ganho inestimável para a segurança alimentar da população por consumir produtos agroecológicos, ou seja, saudáveis e livres de agrotóxicos.
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